Encontros agradáveis para os Stark, e outro nem tanto para Jaime Lannister.
Um dos elementos mais fortes de Game of Thrones, desde o início da série, é a sua capacidade de mostrar os horrores de uma guerra. O episódio quatro da sétima temporada recebe um título que dialoga justamente com esta característica. Os espólios de guerra são, por definição, os bens conquistados pela parte vencedora de um determinado conflito, mas neste contexto o significado se estende para um campo levemente subjetivo: as heranças de uma batalha podem ser boas e ruins, e nem sempre estamos falando de bens materiais.
Há muitos acontecimentos se desenrolando no episódio que ultrapassa oficialmente a metade da sétima temporada. Mas, basicamente, há três núcleos importantes, três locais em que a história acontece; Winterfell, Porto Real e Pedra do Dragão. Três sobrenomes, três aspirantes, três linhas administrativas diferentes. E em todos eles, os efeitos da guerra que assola Westeros desde a morte do Rei Robert Baratheon são sentidas em suas próprias escalas.
A ligação afetiva do público com o norte, especificamente com os Stark, é a ponte para o primeiro ‘espólio’, apresentado através das consequências psicológicas. Desde a sexta temporada, a série foi trazendo aos poucos os reencontros da família nortenha. Primeiro, Sansa e Jon (Kit Harington). Mais recente, Sansa e Bran. Agora, enfim, Sansa (Sophie Turner), Bran (Isaac Hempstead-Wright) e Arya (Maisie Williams). Em todos esses momentos, há um triste padrão que se repete. À alegria, segue a realização de que nenhum deles é igual ao que era quando se viram pela última vez. É algo completamente natural, mas determina que Sansa, por exemplo, não sabe exatamente por quais dificuldades Arya passou. E jamais saberá, mesmo se a garota resolva um dia contar a ela. A recíproca é verdadeira, e o mesmo vale para Bran, seja ele quem for: há tanta dor no caminho de todos eles, outrora crianças e agora obrigatoriamente adultos, que relato nenhum seria capaz de explicar. Todos eles foram obrigados a passar por situações terríveis para chegarem vivos até onde estão, e por isso beira o assombroso — mas não o completamente inesperado — que as duas garotas riam ou ensaiem sorrisos enquanto falam sobre matar seus inimigos.
Estamos falando das crianças de Catelyn Stark, afinal de contas.
Estamos falando das crianças de Catelyn Stark, afinal de contas.
Porto Real, por outro lado, vive a destruição da guerra há tanto tempo que talvez seja a região do reino que menos conhece a calmaria, mas o ponto de vista de Cersei (Lena Headey) é de que as coisas finalmente estão dando certo. Ela conseguiu se vingar pela morte de Myrcella, está derrotando as forças de Daenerys, e conseguiu, em tese, o ouro para pagar a dívida da coroa com o Banco de Ferro. Os espólios de guerra, para a rainha, foram exatamente as cicatrizes que a transformaram em uma mulher vingativa e estrategista, e a permitiram chegar viva e em forma até a sétima temporada, mesmo contra todas as expectativas. Sob certa ótica, o mesmo pode ser dito sobre a outra rainha, aquela em Pedra do Dragão.
Assim como Cersei, Daenerys (Emilia Clarke) retira a sua força de todos os sofrimentos por que passou até desembarcar em Westeros. O que ambas herdaram — ou melhor, o que todos esses personagens herdaram — de seus erros e acertos foi conhecimento e dureza, como Jaime Lannister (Nikolaj Coster-Waldau) havia confessado a Olenna Tyrell (Dianna Rigg) no episódio anterior. Assim, o que Dany coloca na balança neste momento, em que decide jogar para trás todos os ‘planos inteligentes’ de sua Mão e partir para a guerra é um julgamento de caráter muito forte:
Por um lado, seu nome está marcado pelo de seu pai, Aerys II Targaryen, o Rei Louco. O prospecto de a era da loucura se repetir é assustadora para Westeros, ainda mais quando três dragões adultos são somados à conta. Ela quer provar que não é o pai, mas isso significava não usar a sua maior arma.
Independente da decisão que Daenerys tomasse, de ir ou não para o ataque montada em Drogon, a sombra da loucura a perseguiria. É a sua herança inexorável, mas não é a única bagagem que carrega. Há uma força muito grande na ideia de que Missandei, os Imaculados e os Dothraki a seguem porque a escolheram, e não porque ela tem um nome importante. Mesmo com Drogon, Rhaegal e Viserion cuspindo fogo, ela jamais obrigou estes povos a serem seus ‘súditos’. Eles, também, são seus ‘espólios de guerra’; são a prova física e palpável da força de suas ideias. E isso, fogo nenhum apaga, e lança nenhuma destrói.
Mas quando ela surge no céu da Campina para enfrentar o exército de Jaime Lannister montada em Drogon, o terror que se impõe é capaz de substituir qualquer convicção por medo. A concepção da cena destaca justamente os horrores da batalha, sentidos por todos os lados. Neste momento, o público enxerga a dor de qualquer um que esteja na mira do fogo, porque os gritos são reais, o terror é real e tudo isso é retratado de uma forma tão bonita e cruel que evidencia o fato de que todos ali são perdedores e sofrerão as consequências negativas de tanta violência. O diferencial é o fato de a cena não ficar somente nos protagonistas. O horror da guerra é muito maior do que apenas duas ou três pessoas, e é quando retrata isso de forma eficaz que Game of Thrones utiliza tão bem os recursos audiovisuais de que dispõe. É bonito, mas extremamente triste. E a beleza contida em tanto horror talvez seja o elemento mais chocante no fim da história.
OUTRAS CONSIDERAÇÕES
Houve tantos acontecimentos no episódio 'The Spoils of War' que vários detalhes importantes podem passar despercebidos. Aos principais:
- Há um trabalho louvável de edição na cena da batalha, sobretudo nos momentos em que Jaime investe com toda a força contra Dany e Drogon, e a montagem destaca Tyrion (Peter Dinklage) implorando ao seu irmão, com o pensamento, para que ele fuja e não morra queimado por um dragão gigante. É um aceno bonito, também, à relação mais forte que os dois sempre mantiveram, apesar do ódio que Cersei nutre pelo anão.
- Em Winterfell, Bran tem a chance de ser extremamente assustador quando se despede de Meera, mas depois acaba sendo mais agradável quando está com Arya e Sansa sob a Árvore-Coração. Sua habilidade de ver ‘todo o tempo e espaço’ é uma forte ameaça contra Mindinho, algo que o próprio garoto deixa claro no episódio. Estaria o futuro de Petyr Baelish ameaçado?
- Agora, Arya tem a posse da adaga de aço valiriano que era de Mindinho, e se isso já não era o suficiente para levantar suspeitas, a maneira como Sansa assiste atentamente enquanto sua irmã treina com Brienne é um indicativo: há uma estrategista, uma assassina e um Corvo de Três Olhos que literalmente consegue enxergar toda a extensão do tempo. Não é um bom momento para irritar estes irmãos.
- Jon Snow, pare de olhar para o ‘bom coração’ da sua tia!
- Brincadeiras à parte, este episódio já mostrou um salto na confiança que um sente no outro. Estrategicamente falando, é uma grande união, uma vez que os dois compartilham de algumas semelhanças (por terem sido ‘escolhidos’ por seus seguidores), mas também agem de formas muito diferentes nas decisões políticas.
- E falando em Dany, será que algumas ‘inscrições rupestres’ serão o suficiente para fazê-la acreditar em Jon?
- Por fim, este episódio foi a estreia de Matt Shakman dirigindo um episódio de Game of Thrones. Isso sim é começar os trabalhos em grande estilo.
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